📅 Reflexão de campo – por Pedro “Sil” Rodrigues
🧩 Sobre o emparcelamento, os apoios e as contas que poucos fazem
O ponto de partida
Hoje, mais uma vez, tive a prova de que muitos agricultores não fazem contas, não pensam, não problematizam, não veem mais além.
Vou tentar aqui expor, em grandes traços, o que acontece por este país fora.
E não é só culpa do governo central — é também dos próprios agricultores.
A medida “milagrosa”
Falei com um técnico, colega, agricultor também, sobre uma medida que já conheço: o apoio ao emparcelamento de terras.
Um agricultor que queira comprar mais parcelas pode fazer uma candidatura, um projeto.
A terra é avaliada, o projeto tem de ser elaborado, submetido, aprovado — e no fim o agricultor recebe 45% de apoio sobre o valor da compra.
Em teoria, parece bom.
Mas vejamos o que realmente acontece.
Os custos escondidos
- Avaliação: 500, 1.000, 1.500 ou 2.000 euros.
- Projeto técnico: mais uns tantos, porque o projetista cobra — e bem.
- Escritura: tem de ser feita pelo valor avaliado, o mesmo sobre o qual o apoio incide.
O resultado?
Um IMI que antes era de 20 ou 30 euros passa facilmente para 200 ou 300 euros anuais.
E o vendedor?
O vendedor tem de pagar imposto sobre a mais-valia: metade do ganho é tributada à taxa de IRS que lhe couber, o que na prática significa entre 14% e 28%, podendo chegar a quase 50% nos escalões mais altos.
Quem é que ganha com isto tudo?
O Estado português.
O mesmo Estado que “dá” 45% de apoio, mas que logo a seguir cobra o dobro em impostos.
É a velha história: para nos darem uma chouriça, temos de lhes dar um porco.
Falta de contas, falta de pensamento
As pessoas não fazem contas.
Não pensam.
Não problematizam.
Atiram-se para dentro dos programas, convencidas de que estão a ganhar, e depois queixam-se:
“A agricultura não dá.”
“Isto é só trabalhos.”
Desculpem lá, mas é preciso começar a puxar pela cabecinha.
Se um terreno vale 500 euros, porque é que alguém o há de pagar a 5.000 só para encaixar num projeto “bonito” de papelada e promessas?
Quem ganha e quem perde
Com estas candidaturas de emparcelamento, só ganha o Estado — e perdem quem compra e quem vende.
O Estado e os municípios ficam com rendas permanentes através do IMI e das mais-valias, e o agricultor fica preso a um encargo absurdo.
Tudo isto parte de um erro estrutural: aplicar as mesmas regras do Ribatejo e do Alentejo — zonas férteis e produtivas — a regiões como Trás-os-Montes, onde a agricultura é pobre, envelhecida e fragmentada.
Em Trás-os-Montes, as propriedades têm valores matriciais muito baixos porque é a única forma de manter alguma viabilidade.
Mas, com estas avaliações inflacionadas, um terreno que valia 20 ou 30 euros passa a valer 2.000, 3.000 ou 5.000 euros.
A partir daí, o IMI e as mais-valias são calculados sobre esses valores.
O proprietário que vende paga caro.
O comprador fica amarrado a um encargo para sempre.
O desfecho
No fim, o resultado é o de sempre:
Falência, desistência, abandono.
Os agricultores caem na armadilha dos apoios, iludidos pelas promessas e pela linguagem técnica, sem perceberem que estão a cavar a própria ruína.
Em Portugal, infelizmente, muitos projetos agrícolas servem mais o Estado do que o agricultor.
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